Mercado de emprego, carreira e aprendizagem ao longo da vida, surge na sequência da minha experiência profissional enquanto psicóloga, nos centros de emprego da área metropolitana do Porto, mais especificamente na constatação da dificuldade de os jovens adultos se inserirem no mercado de trabalho.
Procura-se desta forma criar um espaço de reflexão, no sentido de desocultar as razões subjacentes a estas dificuldades, aceder à relação dialéctica que se estabelece entre sociedade, contexto de formação e contexto de trabalho e delinear estratégias que facilitem esta transição de vida.
De facto, o que pude constatar é que os jovens adultos apresentam dificuldades ao nível das competências que se adquirem no exterior das estruturas de formação inicial, nomeadamente nas empresas e que são constituídas pela aptidão individual subjectiva para utilizar as suas qualificações, os seus saberes-fazer. Em suma, tratam-se das competências generalizáveis e transferíveis, sobremaneira valorizadas actualmente, as quais, não se revestindo de um carácter objectivo, tornam inviável a sua definição independentemente dos indivíduos em questão, pelo que não se poderá falar de competências em si, mas somente de pessoas competentes.
De facto, de acordo com o quadro actual, o que se verifica é que, para além dos conhecimentos técnicos e da experiência, os empregadores valorizam toda uma panóplia de competências transversais, entre as quais se destacam: as competências de comunicação; as competências interpessoais; as competências de raciocínio e de iniciativa; o dinamismo; a curiosidade; a flexibilidade; o saber transferir, inovando e não se limitando a repetir; a responsabilidade; o sentido de disciplina pessoal; a liderança; espírito de profissionalismo; a auto-estima; a motivação; a capacidade de atingir objectivos e desenvolvimento pessoal; ser honesto e íntegro; demonstrar auto-controle e capacidade de adaptação a novas situações. É nesta perspectiva que se poderá afirmar que a competência profissional como conceito global evoluiu do simples somatório de saberes e saberes-fazer, para uma noção mais abrangente de saber agir e reagir face a uma situação profissional complexa.
Torna-se, no entanto, importante compreender que esta situação nada mais é do que um “ponto de chegada”, que tem a sua génese nas profundas mutações que se têm vindo a operar na sociedade actual.
O cenário actual caracteriza-se pela invasão das tecnologias da informação. As consequências são óbvias: a brevidade do ciclo dos produtos, a diversificação das exigências de consumo, o reforço da competitividade nacional e internacional, a globalização da economia, a explosão das fontes de saber e dos meios para lhe aceder, bem como velocidade a que se alteram as imagens do mundo.
Assim, enquanto que nas sociedades tradicionais (que se caracterizam por um número restrito de papéis, predominando as normas particulares), a família assume um papel de relevo ao nível da formação da criança, na sociedade moderna, onde predominam as normas universalistas, a aceleração do movimento técnico exige uma educação permanente e provoca um hiato entre o indivíduo e o mundo que o rodeia, pelo que muda a função institucional da família, cabendo à escola essa mesma tarefa.
Para fazer face a esta situação, assiste-se ao prolongamento da escolaridade obrigatória e de outros percursos de formação complementares e à sua diversificação, o que configura uma situação de transição distinta das situações “típicas” de mudança da escola para o mercado de emprego, na medida em que os jovens são como que “forçados” a permanecer fora do mercado do emprego, sendo o seu espaço de vida organizado sobretudo em torno dos grupos de amigos e dos dispositivos de lazer (Castro e Pego, 1996), que constituem sem dúvida alguma contextos de aprendizagem importantes.
Mais ainda, o que actualmente se constata é que a articulação entre a educação e o emprego são marcados sobretudo pela não correspondência, isto por que este último se caracteriza por reorganizações contínuas das empresas, pela precarização dos laços contratuais, por elevados índices de desemprego (Castro, 1997), em que já não se torna suficiente a posse de um bom “nível” de formação técnica e profissional (qualificação inicial), assumindo esta cada vez mais um carácter transitório. Esta situação vem claramente contrariar a convicção de muitos jovens, que equacionam o estágio enquanto “momento decisivo” e ressalta concomitantemente a premência da aprendizagem ao longo da vida.
É nesta perspectiva que os jovens terão que fazer face a um período de transição, em geral turbulento, marcados por percursos profissionais imprevisíveis, onde a incerteza e a instabilidade, em suma, a insegurança, tornam inviável a definição de um alvo profissional em função de certas coordenadas de tiro, aquilo que se poderia designar como a “perspectiva balística da carreira” (Azevedo, 1997). Assim, esta não poderá ser equacionada como um percurso em linha recta, com uma lógica de evolução regular e hierárquica, com etapas claras, interligando a escola, o trabalho e o sujeito. Não se trata da concretização de um projecto, mas antes de um conjunto de micro-projectos, assumindo, assim, um sentido mais personalizado, afigurando-se como um percurso, uma história, pautada por descontinuidades que obrigam a tomadas de decisão do indivíduo (Castro, 1997). Assim, as mudanças ao nível dos “mapas (cartas) das oportunidades” (Castro, 1997), justifica o facto de a configuração emergente assumir um carácter mais artístico, como um “voo de borboleta” (Azevedo, 1997).
Vivemos, de facto, um tempo de transição, vulgarmente denominado de “crise” em que os receios são muitos e as certezas muito poucas, sendo que este parece ser o momento ideal para o lançamento de novas construções, mais especificamente ao nível da reconstrução da relação do indivíduo com o mundo do trabalho. Estas situações, essencialmente desafiantes, e para as quais nem sempre o indivíduo está preparado é que se perspectivam como verdadeiras transições de vida que, constituem um momento privilegiado de gestão da carreira, e que, por isso mesmo, não deverão ser deixados ao acaso. Por outras palavras, o que até aqui se pretendeu dizer é que a situação de transição profissional é permanente, não se confinando à transição inicial escola-trabalho (Azevedo, 1997), sendo que a evolução profissional se realiza num estado de questionamento permanente, ou no seio de uma instabilidade que se poderá qualificar de omnipresente. (Riverin Simard, 1996).
De qualquer forma, e apesar das incertezas e da impossibilidade de “a priori” definir um alvo profissional, uma reflexão cuidadosa reenvia para aquele que foi o “ponto de chegada”, pelo facto de, apesar de tudo, se ter alcançado “qualquer coisa”, que “a posteriori” se tornou um alvo - as competências, a experiência profissional e a aprendizagem ao longo da vida, que exigem novos dispositivos de certificação e validação dos saberes adquiridos, assumindo especial relevo as práticas do balanço de competências (Castro, 1997). Assim, cada jovem à entrada da vida socio-profissional deverá demonstrar disponibilidade para construir progressiva e lentamente o seu “mapa de experiências e de competências”, sendo que a necessidade de reunir evidências das competências e saberes adquiridos nos aproximam daquilo que Hardy denominou “sociedade do dossier”, que se reporta à “carteira/arca de competências” por oposição à “civilização do diploma” (Castro, 1997).
Depois de tudo o que foi dito, compreende-se que o conceito de segurança para quem trabalha terá de ser desenvolvido e alargado, incidindo mais na segurança baseada nas competências e no mercado de trabalho, do que na segurança do posto de trabalho individual, afigurando-se pois uma segurança na mudança, mais do que uma segurança contra a mudança (Castro, 1997). Deste modo, a produção de uma espécie de “nova cartografia das oportunidades” de profissionalização que auxilie os indivíduos na exploração das novas e diversas formas de desenvolvimento pessoal e profissional assume relevância (Castro, 1997).
É precisamente nesta perspectiva que a formação profissional se encontra numa primeira linha de prioridade em termos gerais e, em particular, no que concerne ao domínio da transição do contexto de formação para o de trabalho. De facto, este afigura-se como um acontecimento de vida normativo e, portanto, altamente previsível. Assim, a tarefa de proporcionar uma vivência mais adaptativa desta transição implica criar condições nas quais os sujeitos possam adquirir competências em áreas problemáticas, em ordem a estarem mais aptos a lidar com este acontecimento de vida aquando da sua ocorrência.
Conclui-se portanto que num cenário onde a única realidade verdadeiramente estável é a mudança, a segurança face ao trabalho terá que se alicerçar nas competências transversais e na aprendizagem ao longo da vida, constituindo-se assim a formação profissional como um recurso basilar do desenvolvimento humano.
Consulta: http://www.ane.pt/
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